sexta-feira, 17 de agosto de 2012

360

                                             360

No cinema vemos a realidade forjada, sintetizada em alguns minutos de filme. Não a vida como ela é. A realidade cotidiana, assim como a vivemos, não faria sucesso. Mesmo quando vemos um filme baseado ou inspirado em fatos reais, estamos diante de uma obra de ficção, que subverte o tempo e os acontecimentos. Acho que é isso, afinal, que chamamos de magia do cinema. Se essa realidade é feliz e edificante, a sonhamos pra gente. Se terrível e atordoante, estaremos livres dela ao subir dos créditos.

360 se propõe a ser uma compilação de fragmentos de vida real, tão desconectados aparentemente que já começa por desafiar uma regra básica do cinema, pelo menos do cinema feito para entreter o público: não há identificação suficiente com nenhum dos personagens. Não sentimos suas dores, não experimentamos suas angustias, inquietações e não torcemos por nenhum deles. Mas isso, aqui, não é falha, é intenção.

Somos levados adiante um tanto indiferentes sobre o que o futuro reservará a seus personagens. O fio condutor da trama é o acaso e a ideia é mostrar como qualquer decisão banal que tomamos pode mudar nosso futuro e o de pessoas a milhares de quilômetros de nós. Um mote interessante, mas de execução arriscada. Não à toa o filme apanhou de boa parte da crítica internacional em sua estreia mundial no Festival de Toronto e teve recepção fria do público nos Estados Unidos.

360 tem roteiro de Peter Morgan, indicado ao Oscar por A Rainha (2006) e Frost/Nixon (2008). Segundo Meirelles, é um filme mais de Morgan do que dele. O diretor brasileiro revelou em entrevista que Morgan ficou arrasado com as críticas negativas. Reação estranha para quem quis correr riscos deliberadamente. Se fizesse um roteiro como o de 360 não esperaria nada diferente. Quem espera aplausos, segue o dó-ré-mi.

O script de Morgan desafina, não segue o manual. Tem um arremedo de arco dramático, de clímax, de reviravolta e, aparentemente, não chega a lugar nenhum. É irregular do começo ao fim. Nada mais impróprio para um filme, mas nada mais próximo da vida cotidiana que a produção almeja mostrar. 360 é ainda mais incômodo por insinuar que a casualidade, apenas ela, rege nossas vidas. Isso vai contra a ideia de planejamento, nossa visão de regentes de nossas próprias existências.

A produção trabalha com uma série de conexões aleatórias que jogam personagens uns ao encontro dos outros. Inicia mostrando uma mulher eslovaca que vai para Viena em busca de dinheiro e envolve-se com uma rede de prostituição. Um de seus prováveis clientes é um executivo inglês (Jude Law), infeliz no casamento e que desconhece o relacionamento extraconjugal da mulher (Rachel Weisz) com um fotógrafo brasileiro (Juliano Cazarré). Este é namorado de Laura (Maria Flor), que decide voltar para o Brasil após descobrir a traição do parceiro. Na viagem conhece duas pessoas que podem ou não mudar sua vida - e ela, mesmo sem saber, a deles. Essas e outras histórias entrelaçadas acabam retornando à prostituta eslava ao final, dando a volta de 360º que dá título ao filme.

Acho a obra intrigante, gosto da provocação explícita, do encadeamento de sua estrutura narrativa. Uma história em que a casualidade rege o destino de seus personagens, mas que não é conduzida ao acaso. Segue um caminho bem definido por seu roteiro e deixa clara a habilidade de Meirelles como diretor, afinal, tem de se ser hábil para manter a atenção do espectador quando o roteiro não cria expectativas e tensões o suficiente para isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário