domingo, 6 de maio de 2012

Os Vingadores - CRÍTICA


Atenção!


O texto contém spoilers. Então, para impedir (ou prevenir) você, leitor(a) que ainda não assistiu ao filme, de, acidentalmente, ler algum deles, destaco TODOS em vermelho negrito (exatamente como esse aviso).


Boa leitura!
E bons e ruins filmes para nós!




Joss Whedon. É ele o herói maior dessa produção fantástica. Quase inexperiente no cinema, Whedon demonstrou coragem ao aceitar a liderança do maior projeto da Marvel até então e, acima de tudo, inteligência e competência para transformar o que começava a parecer atrapalhado em um evento verdadeiramente imperdível.
Fissurado a HQs, especialmente às protagonizadas por super-heróis, o cineasta, inclusive, co-roteirizado um documentário intitulado Comic-Con Episode IV: A Fan's Hope (que estreia no presente ano – 2012 – no Brasil), sobre a maior convenção de quadrinhos do nosso planeta, realizada anualmente em San Diego, na Califórnia. Amante das fontes originais e conhecedor das séries e dos filmes já feitos e, também, do público alvo, seria o trabalho do Whedon fácil?
Não.
Abaixo, você pode assistir ao trailer oficial do Comic-Con Episode IV: A Fan's Hope


Trabalhar para fazer um blockbuster dar certo a ponto de ser admirado por público e crítica (quase que por unanimidade) não é e nunca será fácil. Christopher Nolan alcançou esse status quo com a sua trilogia Batman (que será finalizada pelo em breve Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge) apostando na caracterização sombria do Homem-Morcego e ressaltando aspectos psicológicos, emocionais e político-sociais que, fatalmente, remetiam, mesmo que ironicamente, à realidade humana. Whedon fez diferente. Atento aos personagens que tinha em mãos, o roteirista (antes de agir como diretor) parece ter percebido que intrincar uma trama densa, que bebesse de fontes psico-filosóficas e remetesse a qualquer realidade social muito profunda, poderia ser fatal e, com toda a pressão da Marvel e dos incontáveis fãs, sua carreira poderia entrar em colapso. Mas isso quer dizer que a história é fraca?
Não.
Diante de uma matéria-prima colossal (em fartura), mas sabendo que teria que promover o encontro de personagens apresentados em filmes anteriores (e inferiores), conseguir captar a essência de cada ser, portanto, era a escolha mais sensata. Mesmo assim, o cineasta foi além. Incutindo uma forte carga burlesca, sem cair no brega e sem medo de utilizar diversos clichês (todos necessários), como a aparição repentina de um herói (Capitão América – Chris Evans – no caso) para salvar um velho homem que se opõe a Loki (uma miríade de emoções interpretadas soberbamente por Tom Hiddlestone, de Meia-Noite em Paris), Whedon demonstrou que tem um time cômico arrebatador e, sem receio, usa-o.
A competente direção, como um cartão de visitas, é demonstrada logo nas sequências iniciais, quando Nick Fury (Samuel L. Jackson, de Pulp Fiction - Tempo de Violência) desce de um helicóptero e, como se ele fosse permanecer acima do julgamento público (o que, de fato, acontece), a câmera lhe segue numa tomada baixa, engrandecendo o idealizador ficcional dos Vingadores e lhe carregando (aos olhos da não-consciência) a coragem de mantê-los juntos até o fim. Assim, Fury, mesmo utilizando uma doída mentira manipuladora, jamais será afligido por tal.
Ainda brincando competentemente na cadeira da direção, Whedon se sai formidavelmente bem ao tratar, de forma ilustrada, a cognição intelectual dos personagens. Isso é muito bem pintado na cena em que Natasha Romanoff (a Viúva Negra – Scarlett Johansson, de Compramos um Zoológico) tenta convencer o Dr. Banner (o Hulk – Mark Ruffalo) a entrar para o time. Inicialmente convicto, Banner permanece ao lado direito da imagem (que é considerado de maior destaque no cinema), como na imagem abaixo:
Mark Ruffalo Dr. Bruce Banner Hulk Viúva Negra Black Widow

Mark Ruffalo Dr. Bruce Banner Hulk Viúva Negra Black Widow

Enquanto, aos poucos, é convencido por Romanoff, a imagem, lentamente, inverte e entrega o Dr. ao lado esquerdo. Confira o final desse processo no vídeo a seguir:


Nessa mesma sequência, Ruffalo se revela a escolha mais acertada para viver o monstro verde. Demonstrando uma luta (e uma contenção) interna constante (revelada, em outro momento, como o segredo do controle da sua figura dramática), o ator se faz inquieto e permanentemente observador, o que transmite uma angústia verdadeira e um medo contido e atraente.
Seguindo em sua diversão (que gera um entretenimento de qualidade bem acima da média) e, agora, transfigurando o entendimento concreto numa forma subjetiva auxiliar, o diretor, na primeira discussão envolvendo todos os super-heróis, inverte a câmera. De ponta cabeça, a imagem demonstra que, naquele momento, o mundo interno dos Vingadores e o mundo externo entram em colapso. Como se não bastasse, quase todo esse plano-sequência é realizado em uma única tomada, captando lentamente a individualidade de cada herói e remetendo, instantaneamente, aos diálogos silenciosos e solitários dos filmes de, entre outros, Paul Thomas Anderson (Boogie Nights – Prazer sem Limites).
O inverso desse emaranhado de ideias heróicas surge no clímax da ação, quando, finalmente, unidos em prol de um só ideal, os heróis se entregam ao público como Os Vingadores, tendo a gag dessa união um clássico formato circular de igualdade, onde cada um tem conhecimento do seu papel. 

The Avengers Circle Os Vingadores Círculo Heróis Heroes Marvel

Tudo isso alicerçado por um trabalho de montagem perfeccionista que não deixa, junto à direção, o ritmo cair. São duas horas e vinte e dois minutos de cortes e retomadas que só elevam a vontade de descobrir o que vem a seguir (mesmo que seja algo que já sabido – como a volta do Homem de Ferro à atmosfera –, o que é espantoso).
Em uma confabulação constante com o espectador, o filme não se intimida ao utilizar o humor para acompanhar as situações mais absurdas e fantasiosas e, às vezes, de auto-afronta. São arrebatadoras as insinuações, em tom de deboche, feitas por Tony Stark (Homem de Ferro – Downey Jr., de Sherlock Holmes) ao Steve Rogers (Capitão América – Chris Evans, de Scott Pilgrim Contra o Mundo) e ao Thor (Chris Hemsworth, de Star Trek), sendo a expressão máxima disso a inferência de que a capa do deus nórdico (deus somente para os humanos) tem como base uma cortina de Jord.
Ainda sobre o caráter bufo dessa película, é necessário destacar a anomalia esmeralda. O Hulk que, na primeira vez que surge, protagoniza, junto à Natasha Romanoff, os minutos mais tensos e de agudo suspense, também é, sem qualquer dúvida, o maior alívio cômico (vencendo, inclusive, o impudico Tony Stark nessa batalha). E até mesmo o super soldado submisso ao seu país, Capitão América, faz graça ao invocar o grandão com a conhecida frase (quase uma ordem) meme “Hulk, smash!” (legendado como “Hulk, arrebenta!”)”, o que pode ser visto no vídeo abaixo:


Sem cair no estigma de um filme de gênero e sem abrir mão da diversão, o maior mérito dessa obra fantástica (em fantasia e em qualidade) é conseguir, utilizando-se da coragem, inteligência e competência do seu criador, agradar a um público extremamente variado. Leigo, fã, profissional e aqueles que têm preferência por algum gênero são inseridos na história e se notam apreensivos, sorridentes, amedrontados, animados, entusiasmados e, por fim, satisfeitos (ou mais que isso).
Apresentando, também, alguns easter-eggs (espalhados durante as mais de duas horas), como a participação de Powers Boothe (intérprete do senador corrupto Rourke em Sin City – A Cidade do Pecado) atuando como um Conselheiro de Segurança de atitudes duvidosas e Harry Dean Stanton (de Alien, o 8º Passageiro) discursando brevemente sobre alienígenas, demonstra-se uma metalinguagem que reverencia e respeita a sua arte, além de um grande zelo na criação.

Harry Dean Stanton The Avengers Os Vingadores

Há, também, diálogos sobre a existência divina. O soldado certinho e submisso às vontades do seu país se mostra convicto na existência de um (um único) deus, enquanto o cientista e anômalo reflete a sua ferina crença ao espancar Loki sem exitar, ao sair balbuciando “God frail.” (legendado como “Deus franzino.”)” e ao socar, abruptamente (num time sensacional), o presumível amigo e também deus (para os humanos, repito) Thor (ambas, as protagonizadas por Hulk, hilárias).
Tecnicamente quase irrepreensível, contando com uma fotografia (do excepcional Seamus McGarvey, de Precisamos Falar sobre o Kevin) que, em cores, acrescenta carga emocional às curvas dramáticas (destaque para a leve sombra esverdeada sobre o rosto do Dr. Banner em momentos de crise) e com os efeitos visuais praticamente alcançando a perfeição, a única ressalva é conquistada pela trilha sonora (do talentosíssimo Alan Silvestri, que, há quase trinta anos, compôs a memorável trilha do clássico De Volta para o Futuro). Aqui, Silvestri desempenha um papel impressionante ao circular a história com uma harmonia cheia e densa, elevando as situações sem atrapalhar os momentos, mas peca, numa timidez intelectual que já dura anos (desde a bela música d’O Expresso Polar, de 2004 – e foram onze filmes entre esse e o em questão), ao não estabelecer um tema reconhecível para a equipe. Uma música inesquecível, certamente, faz falta a um filme memorável.
Ciente do seu poder, Os Vingadores é, convictamente, o melhor filme da Marvel até o presente momento. Faceto e inteligente, viril e general, ainda consegue refletir o fã de HQs (mais precisamente da própria Marvel) no rosto daquele que se mostra um grande admirador interno daqueles “personagens”, o Agente Phil Coulson (Clark Gregg, de Os Pinguins do Papai). E, se a morte faz terminar a existência (ao menos de um colecionador terreno), a vida (em cards – agora, numa auto-exaltação) continua (apesar do sangue) firme.

Phil Coulson The Avengers Os Vingadores


Avante, Vingadores!

 ps: Há uma cena em meio aos créditos finais. O personagem que surge é Thanos (que apareceu, primeiramente, numa HQ do Homem de Ferro), um titã que habita a lua homônima de Saturno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário